sábado, 25 de abril de 2015

Sobre a banalidade da epistomia nos partos em maternidades brasileiras


Imaginar que alguém te cortaria sem anestesia para fazer mais espaço para o bebê que quer nascer, certamente pode ser descrito como um dos piores pesadelos. Mas, infelizmente, trata-se de um pesadelo pelo qual muitas mulheres que se preparam para ter um parto normal acabam passando, já que se tornou prática comum em maternidades brasileiras.

E isso não é de agora. Minha mãe descreveu algumas vezes o horror que foi me dar à luz em uma maternidade em São Paulo, lá no começo da década de 80, e como o médico esperou até a minha cabeça aparecer para dar início ao atendimento do parto, embora ela estivesse na maternidade esperando há horas, aos prantos, e como ele entrou, não disse uma palavra, a cortou e ela desmaiou de tanta dor. Depois, ela só lembra que acordou pelada, em uma maca de metal, sem colchão e que estava tremendo de frio.

Anos depois um moça que trabalhava como faxineira em nossa casa engravidou. No dia que a bolsa estourou a levamos para um hospital em Brasília. Dias depois, fui visitá-la e ela disse: me cortaram inteira: daqui (apontando pra vagina) até lá atrás. Tô cheia de pontos. Não sei pra quê isso. Eu tava dilatada. Ele enfiou a mão toda dentro de mim várias vezes para ver e eu tava dilatada… ela disse, confusa.

Eu tinha 14 anos, não tinha noção alguma de que um dia viria a saber que havia um termo para aquele corte e que ele era bem mais comum do que eu jamais pudesse imaginar nos trabalhos de parto.

A Isabela Liborio foi gentil o bastante para compartilhar comigo um link para uma matéria do Estadão sobre a violência obstétrica. Vale a pena ler tudo. Mas vou colocar uma parte aqui para vocês.

O nascimento de Pedro foi um pesadelo para a mãe dele, Milena Caramori, na época com 23 anos. A engenheira florestal chegou ao Hospital Sorocabana em Botucatu, interior de São Paulo, depois de uma madrugada em trabalho de parto. Teve as pernas amarradas e, por isso, não conseguia fazer força o suficiente para dar à luz. Para “ajudar” o bebê a nascer a enfermeira subiu na barriga de Milena espremendo o ventre dela com o peso de seu corpo (a manobra de Kristeller é sabidamente responsável por lesões sérias na mulher e, por isso, desaconselhada há décadas.) Mas o pesadelo não terminava por aí. Sem nenhuma anestesia, a médica fez uma episiotomia em Milena, ou seja, cortou o períneo, região entre a vagina e o ânus, para ampliar o canal de parto e também “ajudar” o bebê a nascer. “Eu gritava. Eu só conseguia gritar”, lembra. O parto foi assistido por diversos residentes e o marido de Milena foi deixado de fora “porque a sala estava lotada”. Pedro nasceu e um residente foi incumbido de fazer a sutura, ainda sem anestesia. Foram sete pontos, que tiveram de ser refeitos. “Ouvi a médica dizer que estava tudo errado, que era para refazer”, lembra.

Me parte o coração. Como se não bastasse a pressão social para que mulheres se tornem mães, independente do que desejam para si, as que decidem fazê-lo ainda acabam passando por esse tipo de humilhação e abuso extremo ao darem à luz. É um absurdo sem tamanho.

Conhecimento e compartilhamento de informações são antídotos poderosos neste cenário. Mulheres, mães ou não, unai-vos! Unai-vos para que nossos corpos e os de nossas irmãs, amigas, primas, vizinhas e conhecidas, sejam, de fato, nossos. E que o direito à escolha de ser mãe ou não, de como parir, de onde parir, de com quem parir, seja nossa. Somente nossa.

Fonte da matéria citada: o Estadão.


2 comentários:

  1. Oi querida!
    É de cortar o coração e de tremer de medo. Precisamos usar a nossa voz para nos proteger e proteger tantas outras.
    Grande bjo.

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    Respostas
    1. É mesmo, minha cara. Mas é impressionante o que um pouco de informação pode fazer. Aos poucos, vamos nos educando, educando os demais e nos protegendo desses abusos e absurdos. O abismo é grande, mas a vontade de conquistá-lo também. :)

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